“Imagine a troca de experiências entre pessoas com uma bagagem literária muito grande. Elas possuem um monte de referências literárias em comum, de modo que ao trocar experiências elas parecem que estão tocando piano. E sempre que não conseguem expressar diretamente o que estão sentindo, elas recorrem a uma analogia literária. Escritores quando conversam entre si fazem isso o tempo todo. Eles têm muito mais bagagem de leituras feitas do que capacidade de expressão, assim como todo ser humano. Todos nós, como pertencemos à mesma espécie, temos potencialmente a capacidade para termos as mesmas experiências interiores. Mas você dificilmente terá a capacidade de expressá-las com palavras próprias. Então você deve usar os recursos que estão na cultura.
A conversa entre dois homens que estão culturalmente afinados está para a conversa entre duas pessoas incultas assim como uma ligação telefônica está para outra que foi feita para um número errado. Isso é o mesmo que dizer que pessoas incultas simplesmente não conversam. Os seus mundos interiores são incomunicáveis às vezes até para elas mesmas. Como elas não sabem dizer o que estão vivenciando, essa vivência não se registra na memória, porque a memória não pode registrar estados interiores sem um símbolo que os compacte. Isso é uma angústia terrível. Noventa e nove por cento das neuroses surgem porque a pessoa não sabe falar. Assim, a primeira função da educação é uma função libertadora; de você conseguir dizer, e dizendo você se exorciza. Para um homem inculto, qualquer conflito interno é único, singular, solitário e incomunicável. Já um homem que tem ao menos a cultura da literatura de ficção sabe que é o trilionésimo a ter os mesmos conflitos. Num meio inculto as pessoas estão muito isoladas. Elas só podem se comunicar numa faixa estreita de assuntos banais e pragmáticos. Nesse meio, a experiência interior se perde porque não há registro simbólico para gravá-las na memória ou se acumula numa massa de sentimentos confusos que isola as pessoas umas das outras. Basta isso para você entender que essa história de que o homem inculto é mais feliz é uma monstruosidade. O sofrimento indizível é um bilhão de vezes pior que o dizível”.
Por Olavo de Carvalho, explicando o sofrimento do homem inculto.